Você viu isso? Projeto de Lei quer tornar obrigatória a presença do advogado na solução consensual de conflitos

Está em tramitação no Congresso Nacional o PL 80/2018, que torna obrigatória a presença do advogado na solução consensual de conflitos. Para tanto, o projeto altera a Lei nº 8.906/1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a OAB. Há muitas opiniões favoráveis e contrárias ao projeto, e é sobre isso que falamos no post atual.

O PL 80/2018

O Projeto de Lei nº 80/2018 está em tramitação no Senado Federal e está com a relatoria da Comissão de Constituição e Justiça. Ele traz uma única disposição, alterando o art. 2º da Lei nº 8.906/1994. Ele acrescenta ao dispositivo um novo parágrafo, com a seguinte redação:
§ 4º É obrigatória a participação do advogado na solução consensual de conflitos, tais como a conciliação e a mediação, ressalvado o disposto no art. 791 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.”

A disposição da CLT diz que é facultativa a participação de advogado no curso das reclamações trabalhistas. Por esse motivo, houve tal ressalva na redação do projeto.

Ideias sobre tornar obrigatória a presença do advogado nas soluções consensuais de conflitos

O projeto que deseja tornar obrigatória a presença do advogado na solução consensual de conflitos é bastante controverso. De um lado, há quem o defenda sob o argumento de o advogado ser essencial no procedimento. De outro, entidades afirmam ser um grande retrocesso a obrigatoriedade, desprestigiando os fundamentos da conciliação e da mediação.

Propositor da alteração da norma

O projeto que torna obrigatória a presença do advogado na solução consensual de conflitos foi proposto pelo Deputado Federal José Mentor (PT/SP). Na justificação do projeto, ele reconhece a importância fundamental que os métodos alternativos de pacificação de conflitos desempenham na sociedade.

No entanto, ele entende que “tais métodos não podem ser instituídos de forma a afrontar direitos fundamentais como acesso à Justiça, o direito ao devido processo legal, o direito ao contraditório e à ampla defesa”. O deputado salienta o preceito constitucional de que o advogado é indispensável à administração da justiça para concluir que “o acesso que se garante [à Justiça] e o direito que se consagra ao devido processo legal e à ampla defesa devem ser feitos por meio de advogado”, sob pena de violação das garantias fundamentais.

Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

Outra posição favorável ao projeto que torna obrigatória a presença do advogado na solução consensual de conflitos veio do relator da matéria na CCJ do Senado Federal. Cabe destacar que tal comissão analisa  a constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade dos projetos de lei, bem como aspectos de mérito, como a competência da União.

O relator é o Senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG) que entende ser “oportuna” e “louvável” a exigência da presença do advogado nos procedimentos relativos às soluções consensuais de conflitos. Ele salienta o artigo 133 da Constituição Federal, que qualifica o advogado como indispensável à administração da justiça.

Ao ressaltar os artigos do Código de Processo Civil que versam sobre os modos de solução consensual, ele entende ser forçoso concluir que “a assistência de um advogado às partes em tais procedimentos é, mais que prudente, de fato necessária. Entendimento diverso, em última análise, vai contra os interesses das partes, que ficam a carecer de uma orientação gabaritada e profissional, até para melhor compreender e antecipar as possíveis consequências das soluções consensuais por que venham a optar”.

Fórum Nacional de Mediação e Conciliação

O Fórum Nacional de Mediação e Conciliação (FONAMEC) se posiciona contrário ao projeto de lei que quer tornar obrigatória a presença do advogado na solução consensual de conflitos. O posicionamento ocorreu por meio da Nota Técnica nº 001/2019.

O FONAMEC esclarece inicialmente que os Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMECs) dos Tribunais de Justiça têm a missão de desenvolver a política de promover a efetividade do Poder Judiciário. O fórum integra a Política Nacional de Tratamento de Conflitos (Resolução 125/2010 do CNJ) na condição de representante dos NUPEMECs.

Dentre os argumentos que fundamentam sua oposição à obrigatoriedade da presença do advogado, o Fórum pontua:

  • A solução consensual do conflito é prevista no Código de Processo Civil, cabendo ao Estado sua promoção e seu estímulo, antes da judicialização e no curso do processo.
  • A Política Nacional é fruto de encontros promovidos pelos três Poderes, que formalizaram o 2º Pacto Republicano para garantia do acesso universal à Justiça.
  • A mediação, prevista na Lei 13.140/2015, é uma atividade exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, escolhido ou aceito pelas partes, com finalidade de estimular a resolução consensual do conflito, respeitando a autonomia da vontade das partes (princípio referendado na Convenção Americana de Direitos Humanos, na CLT e na Lei dos Juizados Especiais Cíveis).
  • A flexibilização da indispensabilidade da presença do advogado já foi reconhecida em parecer do CNJ, que destacou que ela é assegurada em nome do acesso universal à solução de conflitos, motivo pelo qual não é obrigatória a presença do advogado em tal situação.
  • Em locais de difícil acesso, as pessoas nem sempre encontram instituições formais para resolver seus conflitos. Diante dessa realidade, os atendimentos feitos pela Polícia Militar ou pelos Centros de Atendimentos Sociais dos Municípios, bem como por pessoas capacitadas que trabalham no sistema de solução consensual, são a única garantia de uma resposta legítima para as pendências. Tal situação poderia ser comprometida se o projeto tornar obrigatória a presença do advogado na resolução consensual do litígio. Em outras palavras, afasta o Estado da sociedade.
  • As disposições do PL 80/2018 não teriam validade diante “relações negociais que envolvam partes residentes no estrangeiro, com legislação mais compatível com respeito à autonomia das pessoas” ou em “compras de mercadorias ou locações por temporadas pelo comércio eletrônico, em que são oferecidas soluções dos conflitos por plataformas de mediação e conciliação”.
  • Por fim, o Fórum aponta que “nas mediações previstas, para os usuários dos serviços públicos, conduzidas pelas Ouvidorias dos órgãos (art. 13, inc. VII, Lei 13.460/2017), para que se assegure o patrocínio de Advogados na defesa do cidadão carente, o custeio desse trabalho não é contemplado pelo PL 80/2018, despesa que afeta o limite da EC 94”.

Na visão do FONAMEC, tornar obrigatória a presença do advogado na solução consensual de conflitos é um retrocesso no atingimento dos objetivos esperados pelas leis que contemplam tais iniciativas.

Diante dessas posições, é preciso aguardar a votação do projeto de lei que deseja tornar obrigatória a participação de advogado em qualquer sessão de mediação e conciliação, em todas as fases (pré processuais e processuais), inclusive para as sessões online.

Nós, da Acordo Fechado, entendemos que não se deve aplicar tal exigência quando existir mediação ou conciliação antes da existência de processos, mas somente quando a ação tiver se iniciado. De fato, exigir tal obrigatoriedade em etapas que precedem o acionamento do Poder Judiciário será um grande retrocesso, pois dificulta o acesso das pessoas à Justiça.